Nascido em 1980, em Recife, Paulo Figueiredo é, como se autodescreve, ex-quase jornalista, servidor público, metido a escritor e a outras coisas. Suas principais obras são “Não quero mais ser Deus”, livro de poesias, e “O diário da praça”, livro-reportagem
Minha composição
Paulo Figueiredo
Eu sou um pouco
Das
palavras que me chegaram
Das
imagens que me cercaram
Dos
ídolos que não adorei
Dos
anônimos que aplaudi
Das
bocas que desejei
Das
poucas que conheci
Eu
sou um pouco dos meus pais
Um
pouco dos meus amigos
Um
pouco dos meus inimigos
Um
pouco dos meus cães
Um
pouco das víboras da minha sala
Eu
sou um pouco de mim mesmo.
Às vezes
Paulo Figueiredo
Depois
que se esvaem os fanais do dia
E
a noite, em silêncio, se anuncia
Vou
dormir certo da minha perfeição
Mas
às vezes eu tenho medo
De
acordar e perceber
Que
sou um homem sem coração
Que
aluiu o meu entusiasmo
Que
já não tenho utopias
Que
se foi a minha coragem
Às
vezes eu tenho medo
De
olhar pela janela e ver
Que
a minha alma foge numa carruagem.
Heróis noturnos
Paulo Figueiredo
Não
fossem os lobisomens,
Os
vagabundos e os vira-latas,
A
cidade estaria agora
Sorvida
numa solidão terrível.
Afinal,
à hora noturna,
Fecham-se
em seus burgos as famílias
Para
jantar e comentar novelas.
Só devo amar o teu vestido
Paulo Figueiredo
Como
idolatro o teu vestido...
Pois
a coberta é o que alimenta,
Em
mim, a devoção à tua carne.
Mas
toda vez que foge a tarde
Uma
vontade me arrebenta:
Quero
arrancar todo o tecido.
Só
por acato à castidade
Fico
assentado em teu sofá
Como
não fosse um pervertido.
E
já chegando a me estourar,
Por
me encher de devaneios,
A
coisa sublime dos teus seios,
É
que reencontro a sanidade:
Só
devo amar o teu vestido.
Não quero mais ser Deus
Paulo Figueiredo
Bem
sabeis vós, ó, Deus,
Que
já não quero ocupar o vosso posto:
Tomei
desgosto pelo poder
Bem
sabeis vós, ó, Deus,
Que
já não quero possuir o vosso rosto:
Tomei
receio de não envelhecer
Aos
vossos olhos não dança apenas
A
nudez das moças:
Dança
o sangue espúrio dos corpos mutilados
Vossa
boca não beija somente
As
faces dos vossos filhos:
Beija
as feridas dos vossos algozes
E
essas vozes, que nunca dizem adeus,
Jamais
vos permitem dormir:
Na
necessidade sabem vos suplicar
Não
quero mais ser vós:
Mesmo
não sendo atroz
Ao
vosso poder prefiro poder pecar.
Último retrato
Paulo Figueiredo
Quão
profundos olhares me fitam
Neste
apoucado lugar mazelento.
Quantas
papoulas e ornamentos
Para
um sujeito a quem, em vida,
Não
amimavam as cerimônias.
Dói-me
também nesta partida
Ter
de atender, sem acrimônia,
Estes
fulanos que ora vibram
Com
a fria carne do meu defunto
E
a sombra escrita no meu rosto
Que
bem se atina com o desgosto
De
despedir-me deste mundo
Num
cemitério, não num porto.
Nada
é funesto como estar morto.
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